sábado, 7 de janeiro de 2012

UMA CRÔNICA DE NATAL

Francisco Miguel de Moura
Poeta, contista e cronista brasileiro


Natal é somente um dia por ano. É festa de presentes. Acontece que, neste tempo de consumismo brabo, não há somente um dia, mas um mês de Natal, para que o comércio venda mais, o governo arrecade o que não conseguiu durante todo o ano e as administradoras de cartão de crédito aumentem o assédio aos pobres e endividados. Deveria ser o dia de Confraternização Universal, do humanismo. Como no Brasil e, de resto, no mundo, o dia da Confraternização Universal é o 1º de Janeiro. Por causa das mudanças do calendário, que pouca gente sabe explicar, é que o ano cristão começa em 25 de dezembro e não no 1º de janeiro, em consonância com o ano civil. Restou conservá-lo no dia considerado do nascimento de Jesus de Nazaré. Em homenagem à família de José, Maria e Jesus, o Natal é o Dia da Família. Consta que Jesus nasceu numa manjedoura e vieram algumas pessoas visitá-lo, entre as quais os três Reis Magos, mas a tradição não diz de que países eles eram reis. José estava indo, com a família, para o recenseamento obrigatório que o governo realizava em Belém. Era um carpinteiro pobre, não tinha como descansar numa pousada. Chegando a hora de Maria dar a luz, foi parar numa estrebaria onde havia burros, jumentos, ovelhas, aves, pássaros e plantações. Só isto já é suficiente para uma confraternização com a natureza. E que fazemos nós, hoje, por nossa casa? É tempo de pensar na conservação do planeta. Também, a não ser um reduzido número de católicos, ninguém lembra de Jesus nem visita as igrejas ou as “lapinhas” que outrora se faziam, onde as pastorinhas cantavam, alegres, pelo nascimento de Deus Menino. Quem reinventa um presépio? Quem se lembra dos animais? Quem olha o céu, a estrela, as estrelas? Poucos vão à missa, muitos vão aos shopping-centers para comprar bugigangas para os filhos, e também para os parentes e aderentes, por ocasião da Ceia de Natal. Produtos importados do oriente, da China, principalmente os mais baratos – o que significa que o falso sistema socialista, instalado lá, age como capitalista mesmo, pagando mal aos empregados para exportar mais barato, fazendo concorrência ao verdadeiro capitalismo – o de cá, do ocidente, onde o Papai Noel reina soberano - ele, o símbolo perfeito do capitalismo consumista.
Natal moderno é tudo de mentirinha, menos a atmosfera comercial que o roi.
Entrei numa dessas superlojas onde se vendem presentes para crianças e fiquei estupefacto. Como escritor e poeta, sensibilidade aguda, senti-me nervoso e doente vendo todo aquele amontoado de bonecas barby e personagens de toda natureza, inclusive os simbólicos como o homem aranha, a boneca emília, o visconde de sabugosa, o saci, o lobisomem, dinossauros, astronautas e não sei mais o quê, tudo empilhado, uns sufocando os outros, ou jogados nas prateleiras, aos montes, caídos estatelados e emborcados. O negócio é dar presentes materiais de pouca valia, e recebê-los. É de praxe, hoje, o “amigo oculto”, brincadeira de antes da ceia de Natal. Faz-se um sorteio de nomes do grupo para ver quem dá presente a quem. E os nomes ficam em segredo para que quem vai receber não saiba de quem receberá, mas quem vai oferecer saiba a quem vai oferecer. Todos oferecem e todos recebem um presente, e as despesas com o item natalino diminuem sensivelmente. Nada muito alegre. Diante da tevê ouvem-se músicas atuais e a conversa continua em tom alto, de maneira que ninguém entenda ninguém, bastando que fiquem com a impressão de que foram ouvidos. Alguns folheiam velhos álbuns de fotografias ou abrem um vídeo no computador para lembranças melancólicas do passado ou para mangar dos feios e das fotos mal feitas - enquanto comem e bebem.
Eis a noite natalina, que começa com as saudações de "Feliz natal e Próspero ano novo".
- “Mas todos os começos sãos flores!” - diria minha mãe.
O dia seguinte é só pra curtir os excessos e a solidão. De tudo sobram algumas fotos de registro, cartões com dizeres sempre iguais recebidos e, no outro dia, jogados na cesta, ou o remoer pedaços de frases ditas por alguém, do que não gostou. Em família há diferenças que nem sempre são caladas, passados os primeiros momentos da chegada à festa.
No começo, a casa estava cheia. Agora está vazia e, muitas vezes, os próprios corações. Festa de alegria? Nem sempre. Brigas, desgostos, notícias dolorosas de doença ou morte, tudo pode vir à flor da conversa. Os egoístas não se incomodam com isto. Os poetas é que não se conformam e ficam a escrever o que sonharam – natais tão diferentes, com emoção, lirismo e memória. E chegam a inventar símbolos como o do peru, que, para não ficar triste, morre de véspera.

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