Francisco Miguel de Moura
Escritor, membro da Academia Piauiense de Letras
Na verdade, eu não escolhi o mundo velho, de hoje. Nós não o escolhemos, ninguém escolhe nada, ou escolhe muito pouco. Eu gostaria de viver num mundo de liberdade e democracia, não de disputa e de concorrência. Democracia, como eu entendo, existe onde a pessoa pode escolher o que pensar, o que crer, o que fazer. Esses três verbos preenchem a condição material do homem, e em parte a espiritual.
Alguém pode objetar: Num novo mundo novo assim, visto que os pensamentos e as crenças não se encontrariam, por conta da individuação, a comunicação seria fácil ou difícil?
Primeiro precisamos dizer o que entendemos por comunicação. O homem se comunica melhor por aquilo que faz. Na verdade ninguém “é” , na verdade nós estamos, nós “fazemos”. E quando o fazemos, acreditamos. E é quando gostamos e sentimos o prazer da vida, o prazer e a vontade de continuar. A vontade, sim, a vontade de fazer, a vontade de ser útil. E a vontade é a alma. Tudo isto é comunicação, desde que com o respeito pelas diferenças e alegria pelas semelhanças e tristezas. Mesmo com as traves das línguas, com suas enormes diferenças. Uma língua universal ajudar-nos-ia a construir esse novo mundo novo que propomos. Zammenhof propôs o “esperanto”, mas ninguém acreditou. Por quê?
Não haveria disputa por ser mais ou ser menos, por pensar mais ou pensar menos, por crer ou descrer, por possuir ou não, porque a terra seria toda nossa. A vontade de ser legal, democrata, aceitar o que é bom para todas as partes, com a diferença que vier, isto é democracia. Num mundo assim, não haveria lugar para as maldades nem para as discriminações, para as guerras nem para os crimes. A natureza seria a nossa mestra sábia, viva, nutrindo-nos de todos os alimentos necessários: ar, água, luz, calor, energia. Para que mais? O céu seria aqui. O eterno? Nossa felicidade até que a natureza nos pedisse contas. E ninguém poderia negar, todos acreditariam nela.
Ainda não consultei nenhum filósofo, nenhum sábio da antiguidade nem dos tempos modernos. Mas o leitor já está se coçando para dizer-me que esse mundo que eu descrevo é um “mundo hipotético”. Citarei, pela pertinência, Arthur Schopenhauer, através do seu livro A arte de escrever (1851), a partir do qual se tornou conhecido e amado como filósofo, filósofo dos artistas e poetas: “Para a maioria dos eruditos, sua ciência é ‘meio’ e não ‘fim’. Desse modo nunca chegarão a realizar nada de grandioso, porque para tanto seria preciso que tivessem o saber como meta, e que todo o resto, mesmo a sua própria existência fosse apenas um meio. Tudo o que se realiza em função de outra coisa é feito apenas de maneira parcial, e a verdadeira excelência só pode ser alcançada, em obras de todos os gêneros, quando foram produzidas em função de si mesmas e não como “meios” para “fins” ulteriores”.
Não é difícil mostrar que o mundo que Schopenhauer pensou não é hipotético: é o mundo dos poetas, artistas, filósofos e santos. Bastar ouvir, ler e sentir o mundo dos poetas, em seus poemas. Teresinka Pereira, em carta recente, relata a frustração de sua viagem à Formosa Ilha (Taiwan), convidada para lá fazer conferência e lançar um livro de sua autoria, não tendo tido a oportunidade de autografá-lo sequer para o recepcionista, poeta Kim Joung Woong, por questões talvez políticas.
Então, na sua fala, ela recitou o poema ‘Dia e Noite’, do referido poeta chinês, seu recepcionista, na ilha:
Quando seu coração se encolhe de tristeza
olhe o céu que reflete o seu coração
no coração do sol.
Quando o seu coração se descontrola,
consulte-se com a lua
no silêncio da noite.
Num dia de esplendor
pensamos possuir tudo o que queremos,
mas na escuridão da noite
uma tristeza enorme abafa o nosso coração.
Em relação com o rodar da terra sobre seu próprio eixo,
o eclipse solar e o eclipse da lua
podem nos dar encantamento ou desilusão
porque, sendo humanos, nós vivemos, sem querer,
na dependência desses fenômenos”.
olhe o céu que reflete o seu coração
no coração do sol.
Quando o seu coração se descontrola,
consulte-se com a lua
no silêncio da noite.
Num dia de esplendor
pensamos possuir tudo o que queremos,
mas na escuridão da noite
uma tristeza enorme abafa o nosso coração.
Em relação com o rodar da terra sobre seu próprio eixo,
o eclipse solar e o eclipse da lua
podem nos dar encantamento ou desilusão
porque, sendo humanos, nós vivemos, sem querer,
na dependência desses fenômenos”.
Não somente no entrecho desse poema, mas também em leituras anteriores sentimos que os poetas orientais amam a natureza fisicamente, mas nem sempre são livres para tal.
Há interferências não orientais no poema aqui apresentado. Exemplo: “nós vivemos sem querer, na dependência desses fenômenos”. Tenho medo é que, com a entrada do mundo oriental na corrida da bolsa e do acúmulo de riquezas materiais (na verdade, riquezas virtuais e não objetivas) - até a rica língua deles desapareça em favor do inglês, tal como seu pensamento místico e sua poesia. E aí o “novo mundo novo” desejado, terá ido para o beleléu antes de ser experimentado.
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